sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Para as palavras, ela se entregava inteiramente, despudorada. E sempre às escondidas. Que não convinha a mulher casada ter tantos desejos, malícias, sonhos reprimidos entre as panelas do jantar. Quando seu homem chegava a casa, sentia o cheiro do gozo verbal a impregnar as paredes – com um olhar de censura, negava a comida que a mulher lhe ofertava, pois o seu orgulho de macho ferido não aceitaria prato elaborado entre poesias gemidas. Ela, no entanto, não aprendia; seu adultério não conhecia limite além das páginas dos livros. Barrocos, românticos e os repulsivos naturalistas dividiam sua posse, rolavam pela sua cama.  Um dia, porém, quis ir além – expôs-se como puta nas livrarias, ofertando sua alma ao primeiro que a quisesse comprar. Todinha, integralmente, se ofereceria a homens, mulheres, crianças, sacerdotes. Seus pensamentos mais profundos seriam de conhecimento geral, acessíveis a qualquer má-intenção. Contudo, não durou muito. Perturbado, o marido disparou um tiro certeiro. Ela morreu pela boca.

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